Audio da mente

domingo

ORGULHO, RIQUEZA E POBREZA

De todos os males o orgulho é o mais temível, pois deixa em sua passagem
o germe de quase todos os vícios. É uma hidra monstruosa, sempre a procriar
e cuja prole é bastante numerosa. Desde que penetra as almas, como se
fossem praças conquistadas, ele de tudo se assenhoreia, instala-se à vontade
e fortifica-se até se tornar inexpugnável.
Ai de quem se deixou apanhar pelo orgulho! Melhor fora ter deixado
arrancar do próprio peito o coração do que deixá-lo insinuar-se. Não poderá
libertar-se desse tirano senão a preço de terríveis lutas, depois de dolorosas
provações e de muitas existências obscuras, depois de bastantes insultos e
humilhações, porque nisso somente é que está o remédio eficaz para os males
que o orgulho engendra.
Este cancro é o maior flagelo da Humanidade. Dele procedem todos os
transtornos da vida social, as rivalidades das classes e dos povos, as intrigas, o
ódio, a guerra. Inspirador de loucas ambições, o orgulho tem coberto de
sangue e ruínas este mundo, e é ainda ele que origina os nossos
padecimentos de além-túmulo, pois seus efeitos ultrapassam a morte e
alcançam nossos destinos longínquos. O orgulho não nos desvia somente do
amor de nossos semelhantes, pois também nos estorva todo aperfeiçoamento,
engodando-nos com a superestima nosso valor ou cegando-nos sobre os
nossos defeitos. Só o exame rigoroso de nossos atos e pensamentos pode
induzir-nos a frutuosa reforma. E como se submeterá o orgulhoso a esse
exame? De todos os homens ele é quem menos se conhece. Enfatuado e
presumido, coisa alguma pode desenganá-lo, porque evita o quanto serviria
para esclarecê-lo, aborrece-o a contradição e só se compras no convívio dos
aduladores.
Assim como o verme estraga um belo fruto, assim o orgulho corrompe as
obras mais meritórias. Não raro as torna nocivas a quem as pratica, pois todo o
bem realizado com ostentação e com secreto desejo de aplausos e lauréis
depõe contra o próprio autor. Na vida espiritual, as intenções, as causas
ocultas que nos inspiraram reaparecem como testemunhas; acabrunham o
orgulhoso e fazem desaparecer-lhe os ilusórios méritos.
O orgulho encobre-nos toda a verdade. Para estudar frutuosamente o
Universo e suas leis, é necessário, antes de tudo, a simplicidade, a
sinceridade, a Inteireza do coração e do espírito, virtudes estas desconhecidas
ao orgulhoso. É-lhe insuportável que tantos entes e tantas coisas o tornem
subalterno. Para si, nada existe além daquilo que está ao seu alcance;
tampouco admite que seu saber e sua compreensão sejam limitados.
O homem simples, humilde em sentimentos, rico em qualidades morais,
embora seja inferior em faculdades, apossar-se-á mais depressa da verdade
do que o soberbo ou presunçoso da ciência terrestre que se revolta contra a lei
que o rebaixa e derrui o seu prestigio.
Oensino dos Espíritos patenteia-nos a triste situação dos orgulhosos na vida de
além-túmulo. Os humildes e pequenos deste mundo acham-se ai exaltados; os
soberbos e os vaidosos aí são apoucados e humilhados. É que uns levaram
consigo o que constitui a verdadeira supremacia: as virtudes, as qualidades
adquiridas pelo sofrimento; ao passo que outros tiveram de largar, no momento
da morte, todos os seus títulos, todos os bens de fortuna e seu vão saber, tudo
 o que neste mundo lhes formava a glória; e sua felicidade esvaiu-se como
fumo. Chegam ao espaço pobres, esbulhados; e este súbito desnudamento,
contrastando com o passado esplendor, desconsola-os e sobremodo os
mortifica. Avistam, então, na luz, esses a quem haviam desprezado e pisoteado
aqui na Terra. O mesmo terá de suceder nas reencarnações futuras. O orgulho
e a voraz ambição não se podem abater e suprimir senão por meio de
existências atribuladas, de trabalho e de renúncia, no decorrer das quais a
alma orgulhosa reflete, reconhece a sua fraqueza e, pouco a pouco, vai-se
permeando a melhores sentimentos.
Com um pouco de reflexão e sensatez evitaríamos esses males. Por que
consentir que o orgulho nos invada e domine, quando apenas basta refletir
sobre o pouco que somos? Será o corpo, os nossos adornos físicos que nos
inspiram a vaidade? A beleza é de pouca duração; uma só enfermidade pode
destruí-la. Dia por dia, o tempo tudo consome e, dentro em pouco, só ruínas
restarão: o corpo tornar-se-á então algo repugnante. Será a nossa
superioridade sobre a Natureza? Se o mais poderoso, o mais bem dotado de
nós, for transportado pelos elementos desencadeados; se se achar insulado e
exposto às cóleras do oceano; se estiver no meio dos furores do vento, das
ondas ou dos fogos subterrâneos, toda a sua fraqueza então se patenteará!
Assim, todas as distinções sociais, os títulos e as vantagens da fortuna
medem-se pelo seu justo valor. Todos são iguais diante do perigo, do
sofrimento e da morte. Todos os homens, desde o mais altamente colocado até
o mais miserável, são construídos da mesma argila. Revestidos de andrajos ou
de suntuosos hábitos, os seus corpos são animados por Espíritos da mesma
origem e todos reunir-se-ão na vida futura. Aí somente o valor moral é que os
distingue. O que tiver sido grande na Terra pode tornar-se um dos últimos no
espaço; o mendigo, talvez, aí, venha a revestir uma brilhante roupagem. Não
desprezemos, pois, a ninguém. Não sejamos vaidosos com os favores e
vantagens que fenecem, pois não podemos saber o que nos está. reservado
para o dia seguinte.
*
Se Jesus prometeu aos humildes e aos pequenos a entrada nos reinos
celestes, é porque a riqueza e o poder engendram, muitíssimas vezes, o
orgulho; no entanto, uma vida laboriosa e obscura é o tônico mais eficaz para o
progresso moral. No cumprimento dos deveres cotidianos o trabalhador é
menos assediado pelas tentações, pelos desejos e ruins paixões; pode
entregar-se à meditação, desvendar sua consciência; o homem mundano, ao
contrário, fica absorvido pelas ocupações frívolas, pela especulação e pelo
prazer.
Tantos e tão fortes são os vínculos com que a riqueza nos prende à Terra
que a morte nem sempre consegue quebrá-los a fim de nos libertar. Daí as
angústias que o rico sofre na vida futura. É, portanto, fácil de compreender que,
efetivamente, nada nos pertence nesta Terra. Esses bens que tanto prezamos
só aparentemente nos pertencem. Centenas, ou, por outra, milhares de homens
antes de nós supuseram possui-los; milhares de outros depois de nós
acalentar-se-ão com essas mesmas ilusões, mas todos têm de abandoná-los
cedo ou tarde. O próprio corpo humano é um empréstimo da Natureza, e ela
sabe perfeitamente no-lo retomar quando lhe convém. As únicas aquisições
 duráveis são as de ordem Intelectual e moral.
Da paixão pelos bens materiais surgem quase sempre a inveja e o ciúme.
Desde que esses males se implantem em nós, podemos considerar-nos sem
repouso e sem paz. A vida torna-se um tormento perpétuo. Os felizes sucessos
e a opulência alheia excitam ardentes cobiças no invejoso, inspiram-lhe a febre
abrasadora da ganância. O seu alvo é suplantar os outros, é adquirir riquezas
que nem mesmo sabe fruir. Haverá existência mais lastimável? Não será um
suplício de todos os instantes o correr-se atrás de venturas quiméricas, o
entregar-se a futilidades que geram o desespero quando se esvaem?
Entretanto, a riqueza por si só não é um grande mal; torna-se boa ou ruim,
conforme a utilidade que lhe damos. O necessário é que não inspire nem
orgulho nem Insensibilidade moral. É preciso que sejamos senhores da fortuna
e não seus escravos, e que mostremos que lhe somos superiores,
desinteressados e generosos. Em tais condições, essa provação tão arriscada
torna-se fácil de suportar. Assim, ela não entibia os caracteres, não desperta
essa sensualidade quase inseparável do bem-estar.
A prosperidade é perigosa por causa das tentações, da fascinação que
exerce sobre os espíritos. Entretanto, pode tornar-se origem de um grande
bem, quando regulada com critério e moderação.
Com a riqueza podemos contribuir para o progresso intelectual da
Humanidade, para a melhoria das sociedades, criando instituições de
beneficência ou escolas, fazendo que os deserdados participem das
descobertas da Ciência e das revelações do belo em todas as suas formas.
Mas a riqueza deve também assistir aqueles que lutam contra as
necessidades, que imploram trabalho e socorro.
Consagrar esses recursos à satisfação exclusiva da vaidade e dos sentidos
é perder uma existência, é criar por si mesmo penosos obstáculos.
O rico deverá prestar contas do depósito que lhe foi confiado para o bem de
todos. Quando a lei Inexorável e o grito da consciência se erguerem contra ele,
nesse novo mundo, onde o ouro não tem mais influência, que responderá à
acusação de haver desviado, em seu único proveito, aquilo com que devia
apaziguar a fome e os sofrimentos alheios? Inevitavelmente, ficará
envergonhado e confuso.
Quando um Espírito não se julga suficientemente prevenido contra as
seduções da riqueza, deverá afastar-se dessa prova perigosa, dar preferência
a uma vida simples, que o isole das vertigens da fortuna e da grandeza. Se,
apesar de tudo, a sorte do destino designá-lo a ocupar uma posição elevada
neste mundo, ele não deverá regozijar-se, pois, desde então, são muito
maiores as suas responsabilidades e os seus compromissos. Mas também não
deve lastimar-se, no caso de ser colocado entre as classes inferiores da
sociedade. A tarefa dos humildes é a mais meritória; são estes os que
suportam todo o peso da civilização, é do seu trabalho que a Humanidade vive
e se alimenta. O pobre deve ser sagrado para todos, porque foi nessa condição
que Jesus quis nascer e morrer; da pobreza também sairam Epicteto,
Francisco de Assis, Miguel Angelo, Vicente de Paulo, e tantos outros grandes
Espíritos que viveram neste mundo. Eles sabiam que o trabalho, as privações e
o sofrimento desenvolvem as forças viris da alma e que a prosperidade
aniquila-as. Pelo desprendimento das coisas humanas, uns acharam a
santificação, outros encontraram a potência que caracteriza o Gênio.
A pobreza ensina a nos compadecermos dos males alheios e, fazendo-nos
 melhor compreendê-los, une-nos a todos os que sofrem; dá valor a mil coisas
Indiferentes aos que são felizes. Quem desconhece tais princípios, fica sempre
ignorando um dos lados mais sensíveis da vida.
Não invejemos os ricos, cujo aparente esplendor oculta muitas misérias
morais. Não esqueçamos de que sob o cilicio da pobreza ocultam-se as
virtudes mais sublimes, a abnegação, o espírito de sacrifício. Não esqueçamos
jamais que é pelo trabalho, pelo sofrimento e pela imolação contínua dos
pequenos que as sociedades vivem, protegem-se e renovam-se.