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segunda-feira

ALLAN KARDEC E O ESPIRITISMO


“A quem quer que estude a história da ciência, da filosofia e da religião, da cultura em geral, deparar-se-lhe-á um fato comuníssimo, o de que as descobertas, os aprofundamentos, vão se dando de maneira progressiva, e que não há nenhum gênio que possa gabar-se de ter desprezado todo conhecimento anterior e erguido outro a partir de alicerces próprios, totalmente desconhecidos.

Isto se dá no campo da físico-química, onde as idéias de partículas constituintes da matéria já haviam sido geradas intuitivamente por Leucipo e Demócrito;

no campo da psicologia, pois a idéia do inconsciente é bem anterior a Freud, e os arquétipos junguianos têm seus precedentes em Platão e Agostinho, além de corresponderem à participation mystique de Lévy-Bruhl; no da filosofia, pois São Tomás de Aquino continua Aristóteles, Kant avança a partir de Locke, etc.

Já houve quem dissesse que toda a filosofia não é outra coisa que comentários de Platão... Também, um estudo da história das religiões demonstrará que as idéias são sempre renovadas, aperfeiçoadas, decantadas, mas que elas já existiam antes, em forma de lampejos ou de revelações que ficaram esquecidas e que foram posteriormente retomadas.

Monoteísmo, politeísmo, monismo, trindade, imanentismo, panteísmo, unidade, multiplicidade, etc., são idéias que navegam na mente humana desde a pré-história. De quando em quando, surge alguém colocado num ângulo da história com capacidade de centralização do conhecimento, que, tomando dos elementos esparsos, consegue reaver, recuperar o conhecimento olvidado e impulsioná-lo progressivamente.

Isto aconteceu com Vyasa, Lao-Tzu, Agostinho, Tomás de Aquino, Francisco de Assis, Kant, Hegel, Dalton, Freud, Jung, etc. Os estudiosos têm mesmo procurado demonstrar o enraizamento das lições de Jesus no Antigo Testamento. Em nada se lhes tira a genialidade, a capacidade criadora ou a elevação do espírito.

Eles funcionam como síntese necessárias, alcançadas pelo conhecimento, para que este possa desenvolver-se. E o trabalho continuará com outros seres que buscarão ampliá-lo ou aplicá-lo.


Isso tudo vem a pêlo para considerar a afirmativa de Allan Kardec de que o Espiritismo está todo por inteiro nas filosofias antigas, nas religiões (...) Muitos companheiros respeitáveis não atentam para o fato, embora Kardec o tivesse destacado em várias oportunidades, inclusive na Revista Espírita, mas sobretudo nas conclusões de O Livro dos Espíritos, que, como sabemos, é a pedra angular do conhecimento espírita, e julgam que nada existia antes de Allan Kardec, que ele criou todo o Espiritismo.

Ora os Espíritos Superiores sempre estiveram em contato com a Humanidade, transferindo suas lições, pois, como nos assegurou Jesus, Ele jamais nos deixaria órfãos. A História da Humanidade é a História das Revelações, desde os Vedas, a filosofia hermética de Trismegisto, o Zend-Avesta, o Alcorão, etc. para não falar dos profetas do Antigo Testamento ou da mediunidade nos tempos do Cristianismo nascente, que mantinha acesa a chama do Evangelho antes que ritos e dogmas a ocultassem.

Nos tempos mais recentes, Swedenborg, Andrew Jackson Davis, Hudson Tuttle, as irmãs Fox, todo o movimento espírita surgido na América do Norte, bem como na Alemanha, acabaram por desembocar na França constituindo-se em precursores da obra de que Kardec se encontraria encarrregado.

Era ele, portanto, o destinado à realização da síntese do conhecimento espírita tão necessária para que as noções da vida espiritual pudessem generalizar-se, desenvolver-se de modo coerente, escoimadas de superstições, ritos e dogmas que já haviam alcançado e recoberto o ensino de Jesus, ocultando o seu verdadeiro sentido pelos interesses inconfessáveis de alguns, ou pela ignorância a que o povo se viu submetido.

O que há de realmente novo é que agora o movimento espírita surge como uma “invasão organizada”, espalham-se arautos espirituais por toda a parte, reencarnam em massa os intermediários, há urgência na revelação espiritual ao ser humano.

Já não se exigem nem se pedem sacerdotes, o homem em geral já se mostra suficientemente maduro para obter diretamente o conhecimento do Espírito. Disto decorre que, ao invés do movimento surgir no seio das igrejas, ou tomar a forma de uma religião organizada, ou apresentar-se como uma dissidência de qualquer uma delas, o Espiritismo emerge no meio do pensamento filosófico:

surge como uma filosofia com conseqüências no campo moral e religioso, mesmo porque a ética não consegue abstrair-se totalmente da religião.

Só assim seria possível sintetizar em matéria religiosa, depurando sem sofrer as coerções, as imposições, as restrições impostas pelo ambiente das religiões organizadas.

Naturalmente, com isso não se safou Kardec de lutas, de incompreensões e da inclusão de seus livros no Index dos livros proibidos pela Igreja Católica dominante no mundo ocidental, mas propiciou-lhe o recolhimento e a isenção de ânimo para poder trabalhar com liberdade na concretização da síntese iluminadora.

Este é realmente o marco que representa a Doutrina: ela surge como um ponto de confluência do pensamento religioso da Humanidade, porém não como ponto terminal. Pelo contrário, é um ponto de expansão, de ampliação, de libertação deste mesmo pensamento, ao colocar o homem diretamente em contato com os problemas que sempre o afetaram desde o seu aparecimento sobre a Terra – Deus, a existência e a sobrevivência da alma.

As mais antigas civilizações já perquiriam sobre o assunto: cerimônias, símbolos, pinturas, pergaminhos, etc. recolheram sempre a inquietude do homem sobre a criação e seu próprio destino.

O Espiritismo apresentou-se não mais para abrir frestas, seteiras, basculantes, janelas ou portas, mas para derrubar as paredes que separavam as duas humanidades, tanto quanto isso seja possível ao homem encarnado, oferecendo-lhe a certeza do seu destino imortal, recolhida pelo próprio esforço e investigação, tornando-o, deste modo, plenamente responsável pelos seus atos, à medida que lhe propicia o conhecimento das leis espirituais e a sua incidência sobre a criatura humana.


Como podemos ver, o fato de possuir o Espiritismo raízes em todos os povos, não desfaz, de modo algum, a grandeza do papel desempenhado por Allan Kardec, o qual ainda não é bem reconhecido, mesmo entre os espíritas. Não se tem uma medida exata do que ele representou historicamente, e nem se conhece em profundidade o que ele escreveu.

Uma visão mais ampla exige que o estudioso se debruce sobre o ambiente de sua época, conheça as idéias dominantes, os regimes políticos, a influência das igrejas, a cultura existente, etc, a fim de poder avaliar o que realmente representou naquele momento histórico a figura de Allan Kardec.

Durante muito tempo, procurou-se ocultá-la: divulgou-se freneticamente a Teosofia da Sra. Blavastsky e colocou-se à margem o Espiritismo, num paradoxo de tentar esconder o codificador; olvidou-se que foi o impulso e a insistência de Kardec que conduziram os cientistas a voltarem-se para as investigações psíquicas, ainda que, a princípio, com o fito de desmascarar as evidências do Espírito.

Um dia, far-se-á um melhor reconhecimento da plenitude de sua figura. Mas até lá, cumpre-nos manter acesa a chama, estudando, perquirindo, investigando e, sobretudo, vivendo a idéia espírita, para que o verdadeiro pensamento de Allan Kardec possa desenvolver-se e encontrar seu destino”.

(do livro “Espiritismo em Movimento” pelo Espírito Deolindo Amorim)

Com este texto expressamos a nossa reverência e gratidão a este Espírito de Escol que realizou este trabalho extraordinário, ofertando para a Humanidade a Doutrina Espírita, como a expressão máxima, na atual conjuntura mundial, da religiosidade a que a criatura humana pode compreender no grau de evolução em que se encontra.

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