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Satanás - Ser ou não Ser, Eis a Questão


Paulo da Silva Neto Sobrinho

Tentaremos fazer uma pesquisa sobre esse tema, para ver se realmente tal ser existe ou não. Primeiramente devemos buscar saber de sua origem.
No livro "A História da Bíblia", Hendrik Willem Van Loon, com tradução de Monteiro Lobato, Ed. Cultrix, Cap. XVIII - Judéia, Província Grega, pág. 122, encontramos:
"Durante a longa residência na Pérsia, os judeus travaram conhecimento com um novo sistema religioso. Os persas seguiam um grande mestre de nome Zaratustra, ou Zoroastro".
"Zaratustra considerava a vida como uma eterna luta entre o Bem e o Mal. O deus do Bem, Ormuzd, estava sempre em guerra com o deus do Mal e da ignorância - Ariman. Ora, isto era uma idéia nova para a maior parte dos judeus".
"Até então haviam eles reconhecido a um senhor único, ao qual deram o nome de Jeová. Quando as coisas corriam mal, quando eles eram derrotados nas batalhas ou assolados por moléstias, invariavelmente atribuíam o desastre à falta de devoção do povo. A idéia de que o pecado proviesse de interferência dum espírito do mal, nunca lhes ocorrera. A própria serpente no Paraíso parecia-lhes menos culpada que Adão e Eva, os quais conscientemente haviam desobedecido à vontade divina".
"Sob a influência das doutrinas de Zaratustra, os judeus começaram a crer na existência dum espírito que procurava desfazer a obra de Jeová. E esse adversário deram o nome de Satã".
"Passaram a odiá-lo e temê-lo, e no ano 331 convenceram-se de que Satã andava pela terra".
Informação importantíssima, nos traz Hendrik, pois agora sabemos que a cultura persa acabou por influenciar os nossos antepassados no tocante a existência de satanás. (letra minúscula é proposital).
A primeira vez que essa palavra aparece na Bíblia é em 1 Crônicas 21,1. Entretanto a esse respeito podemos colocar as observações do Dr. Severino Celestino da Silva, autor do livro Analisando as Traduções Bíblicas, que fala o seguinte:
"Uma outra observação interessante é que o livro de Samuel foi escrito antes da influência persa no ano de 622 a.C e, no II livro de Samuel em seu capítulo 24:1, você lê com relação ao Recenseamento de Israêl o seguinte: ‘A cólera de IAHVÉH se inflamou novamente contra Israêl e excitou David contra eles, dizendo-lhe; Vai recensear Israêl e Judá’".
"Agora veja esta mesma passagem no I livro das Crônicas, que foi escrito no começo do ano 300 a.C, portanto, já sob a influência do Zoroastrismo persa, com o já conhecimento de ‘Ahriman’ – ‘Satanás’. No capítulo 21:1 desse livro, está escrito: Recenseamento: ‘e levantou-se Satã contra Israêl, e excitou David a fazer o recenseamento de Israêl’. Portanto, o que era IAHVÉH no livro de Samuel aparece agora no livro das Crônicas como SATANÁS. (Confira em sua Bíblia)".
"Assim, está evidenciado que Satanás não é um conceito original da Bíblia, e sim, introduzido nela, a partir do Zoroastrismo Persa".
Desta forma, a prova da incorporação da cultura religiosa persa se nos apresenta de maneira clara. E a título de informação o domínio persa sobre os judeus se deu no período de 539 a 400 a.C.
Seguindo, vamos encontrá-lo novamente no livro de Jó 1,6-12, que narra:
"Certa vez, foram os filhos de Deus apresentar-se ao Senhor; entre eles veio também Satanás. O Senhor, então, disse a Satanás: ‘Donde vens?’ –‘Dei umas voltas pela terra, andando a esmo’, respondeu ele. O Senhor lhe disse: ‘Reparastes no meu servo Jó? Na terra não há outro igual: é um homem íntegro e reto, teme a Deus e se agasta do mal’. Satanás respondeu ao Senhor: ‘Mas será por nada que Jó teme a Deus? Porventura não levantaste um muro de proteção ao redor dele, de sua casa e de todos os seus bens? Abençoastes seus empreendimentos e seus rebanhos cobrem toda a região. Mas estende a mão e toca em todos os seus bens: eu te garanto que te lançará maldições em rosto!’ Então o Senhor disse a Satanás: ‘Pois bem, tudo o que ele possui, eu o deixo em teu poder, mas não estendas a mão contra ele!’ Mas Satanás saiu da presença do Senhor".
Informa-nos os tradutores da Bíblia Sagrada (publicação da Editora Vozes), em nota de rodapé, que "Satanás não é o demônio da concepção cristã, mas mero personagem funcional da narrativa". Do que deduzimos, pela informação, que não se trata, portanto, de um ser.
Por volta do ano 520 a.C, em pleno domínio persa, aparece no cenário bíblico o profeta Zacarias. Em seu livro (3,1), encontramos mais uma vez referência a satanás, vejamos: "Ele me fez ver o sumo Sacerdote Josué, que estava de pé diante do anjo do Senhor, e Satã, que estava de pé à sua direita para acusá-lo".
Os mesmos tradutores citados há pouco nos dão a seguinte informação: "Satã não é ainda o Espírito do Mal ou o Demônio da concepção cristã. Não é uma pessoa, mas antes alguém que exerce uma função, a de contradizer a Deus; só aos poucos é visto como um ser pessoal". Confirmam o que disseram anteriormente, mas agora de uma maneira ainda mais clara que não permite outro tipo de interpretação.
É muito comum citarem a passagem de Isaías 14,12-14, como uma referência a satanás. Vejamo-la: "Como caíste do céu, ó estrela d’alva, filho da aurora! Como foste atirado à terra, vencedor das nações! E, no entanto, dizias no teu coração: ‘Subirei até o céu, acima das estrelas de Deus colocarei o meu trono, estabelecer-me-ei na montanha da Assembléia, nos confins do norte. Subirei acima das nuvens, tornar-me-ei semelhante ao Altíssimo’. E, contudo, foste precipitado ao Xeol, nas profundezas do abismo". Na publicação Mundo Novo, Bíblia usada pelos protestantes, nós encontramos, em nota de rodapé dos tradutores, que seria uma referência a satanás. Já na Bíblia Sagrada publicação Editora Vozes, de orientação católica, a nota diz que essa passagem é "provavelmente uma alusão a um mito cananeu. Há diversos paralelismos com textos da literatura ugarítica, descobertos em Rãs-Shamra". Esse trecho pode estar relacionado ao mito cananeu, entretanto, o mais importante é que ele, na verdade, é uma sátira que Deus manda Isaías fazer ao rei da Babilônia, conforme podemos verificar no início do texto (13,1 e 14,2-4). Assim o contexto não autoriza ninguém a atribuir tal referência a ninguém a não ser ao rei da Babilônia.
Igual procedimento fizeram em relação a Ezequiel 28, 11-15, que também, não se refere a satanás, mas a uma lamentação que Deus ordena que se faça contra o rei de Tiro.
A idéia inicial de que satanás quer dizer adversário, podemos confirmar em Mateus 16, 21-23: "E Jesus começou a mostrar aos seus discípulos que devia ir a Jerusalém, e sofrer muito da parte dos anciãos, dos chefes dos sacerdotes e dos doutores da Lei, e que devia ser morto e ressuscitar ao terceiro dia. Então Pedro levou Jesus para um lado, e o repreendeu, dizendo: ‘Deus não permita tal coisa, Senhor! Que isso nunca te aconteça!’ Jesus, porém, voltou-se para Pedro, e disse: ‘Fique longe de mim, Satanás! Você é uma pedra de tropeço para mim, porque não pensa as coisas de Deus, mas as coisas dos homens!’".
Por essa passagem podemos ver que Cristo não estava dizendo que Pedro estava com satanás, mas que ele estava sendo seu adversário, que é o significado literal dessa palavra. Podemos até ressaltar que em momento algum Jesus expulsou satanás de alguém, mas somente "demônios", ou seja, espíritos maus, provando desta forma que ele não é um ser como querem os teólogos.
Vejamos, agora, a análise mais completa que Dr. Severino Celestino faz em seu livro Analisando as Traduções Bíblicas []:
"Satanás"
"Satanás é uma figura muito controvertida na Bíblia. A palavra ‘Satã’ significa acusador".
"Aparece, pela primeira vez no livro de Jó, sendo como um promotor celestial. A sua intimidade com Deus e o direito de entrar no ‘Céu’, de ir e vir livremente e dialogar com Ele, torna-o uma figura de muito destaque. Veja o livro de Jó 1:6 ‘Um dia em que os filhos de Deus se apresentaram diante do Senhor, veio também Satanás entre eles’".
"O livro de Jó foi escrito depois do Exílio Babilônico. Sabemos que o povo judeu, tendo retornado a Israel com a permissão de Ciro, rei persa, no ano de 538 a.C., assimilou muitos costumes dos persas. Isso ocorreu devido à simpatia e apoio que receberam do rei, que inclusive permitiu a construção do Segundo Templo judaico e ainda devolveu muitos de seus tesouros, que haviam sido roubados".
"A religião dos persas, o Zoroastrismo, influenciou sobremaneira o judaísmo".
"No Zoroastrismo, existe o Deus supremo ‘Ahura-Mazda’ que sofre a oposição de uma outra força poderosa, conhecida como ‘Angra Mainyu, ou Ahriman’, ‘o espírito mau’. Desde o começo da existência, esses dois espíritos antagônicos têm-se combatido mutuamente".
"O Zoroastrismo foi uma das mais antigas religiões a ensinar o triunfo final do bem sobre o mal. No fim, haverá punição para os maus, e recompensa para os bons".
"E foi do Zoroastrismo que os judeus aprenderam a crença em um ‘Ahriman’, um diabo pessoal, que, em hebraico, eles chamaram de ‘Satanás’. Por isso, o seu aparecimento na Bíblia só ocorre no livro de Jó e nos outros livros escritos após o exílio Babilônico, do ano de 538 a.C. para cá. Nestes livros, já aparece a influência do Zoroastrismo persa. Observe ainda que a tentação do Adão e Eva é feita pela serpente e não por Satanás, demonstrando assim, que o escritor do Gênesis não conhecia Satanás. Os sábios judaicos interpretando o Eclesiastes 10:11, afirmam (Pirkei de Rabi Eliezer 13), que na verdade, a cobra que seduziu Adão e Eva era o Anjo Samael que apareceu na terra sob forma de serpente. E que Ele é conhecido como o ‘dono da língua’. A Anjo Samael, que apareceu sob a forma de serpente, usou sua língua, e este poder pode ser usado somente para dominar o sábio. Ele não pode prevalecer sobre um ignorante".
"Uma outra observação interessante é que o livro de Samuel foi escrito antes da influência persa no ano de 622 a.C e, no II livro de Samuel em seu capítulo 24:1, você lê com relação ao Recenseamento de Israêl o seguinte: ‘A cólera de IAHVÉH se inflamou novamente contra Israêl e excitou David contra eles, dizendo-lhe; Vai recensear Israêl e Judá’".
"Agora veja esta mesma passagem no I livro das Crônicas, que foi escrito no começo do ano 300 a.C, portanto, já sob a influência do Zoroastrismo persa, com o já conhecimento de ‘Ahriman’ – ‘Satanás’. No capítulo 21:1 desse livro, está escrito: Recenseamento: ‘e levantou-se Satã contra Israêl, e excitou David a fazer o recenseamento de Israêl’. Portanto, o que era IAHVÉH no livro de Samuel aparece agora no livro das Crônicas como SATANÁS. (Confira em sua Bíblia)".
"Assim, está evidenciado que Satanás não é um conceito original da Bíblia, e sim, introduzido nela, a partir do Zoroastrismo Persa".
"Passa a existir a partir daí, ‘uma lenda’ entre o povo judeu de que Satanás é considerado como o rei dos demônios, que se rebelara contra Deus sendo expulso do céu. Ao exilar-se do céu, levou consigo uma hoste de anjos caídos, e tornou-se seu líder. A rebelião começou quando ele, Satanás, o maior dos anjos, com o dobro de asas, recusou prestar homenagem a Adão. Afirmam ainda que esteve por trás do pecado de Adão e Eva, no Jardim do Éden, mantendo relação sexual com Eva, sendo portanto, pai de Caim. Ajudou Noé a embriagar-se com vinho e tentou persuadir Abraão a não obedecer a deus no episódio do sacrifício do seu filho Isaac".
"Muitas pessoas acreditam no poder de Satanás e até o enaltecem em suas igrejas, razão pela qual, acharmos que seriam fechadas muitas igrejas se os seus dirigentes deixassem de acreditar em Satanás".
Endossamos essas últimas palavras do Dr. Severino.
Somente pessoas retrógradas ou de mente fechada é que podem acreditar na existência de duas potências – a do bem e a do mal - a lutar perpetuamente pela "posse" das almas. De duas uma, ou Deus é tudo ou não é nada. Como não admitimos a segunda hipótese, temos convicção que Deus é tudo. E tudo o que existe é criação sua, e como Deus não criaria o mal, pressupomos que o mal é temporário. Por outro lado, não poderia criar um ser perfeito que posteriormente viesse a decair, pois teríamos pressupor que não o teria criado perfeito. Ora, sendo Deus a perfeição absoluta, tudo que faz é perfeito por natureza e origem.
Mas o homem ainda não compreendendo a grandeza de Deus vem, infelizmente, perpetuando esse dualismo entre o bem e o mal, principalmente no meio das religiões cristãs tradicionais. Erro teológico, que a nosso ver é grave, pois é com esse pensamento que sustentam uma pedagogia negativa, querendo que seus fiéis façam o bem somente por medo do "tridente de satanás", ao invés, do que seria obvio e lógico, fazer o bem por amor à Deus.

(Texto publicado na Revista Universo Espírita, nº 03, agosto/2003).
Referências bibliográficas:
A História da Bíblia, Hendrik Willem Van Loon, tradução Monteiro Lobato, Cultrix, São Paulo, SP, 1981.
Analisando as Traduções Bíblicas, Dr. Severino Celestino da Silva, Idéia Editora, João Pessoa, PB, 3ª edição, 2001.
A Bíblia Anotada = The Ryrie Study Bible/Texto bíblico: Versão Almeida, Revista e Atualizada, com introdução, esboço, referências laterais e notas por Charles Caldwell Ryrie; Trad. Carlos Oswaldo Cardoso Pinto, São Paulo: Mundo Cristão -, 1994.
Bíblia Sagrada, Editora Vozes, Petrópolis, RJ, 1989, 8a. Edição;
Bíblia de Jerusalém, Paulus Editora, 2002, nova edição, revista e ampliada.

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